A preocupação com esta realidade crescente na nossa sociedade é sustentada pelo amplo reconhecimento do caráter nefasto que o fenómeno das pessoas em situação de sem-abrigo assume para a sociedade e para todos quantos são por ele afetados ao nível da realização dos seus direitos mais elementares.
No plano internacional, a preocupação com esta problemática está patente na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e no Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (1966) tendo ambos consagrado, entre outros direitos indispensáveis, o facto de todas as pessoas terem o direito a um nível de vida condigno, o direito à habitação.
Na 2ª parte da Carta Social Europeia (1961) em sede do artigo 31º, obriga os Estados a promover o acesso à habitação, segundo um critério adequado, para evitar e reduzir o nº de pessoas sem-abrigo, com a perspetiva da sua erradicação gradual e tornar o preço da habitação acessível a pessoas com poucos recursos.
A Constituição da República Portuguesa (1976) segue, enquanto lei do nosso Estado de Direito Democrático, a orientação dos citados instrumentos internacionais em matéria de garantia dos direitos humanos, pelo que determina: “Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.”
Concretamente em Matosinhos vão surgindo vários casos de pessoas sem-abrigo que qualquer cidadão vai observando: pernoitam dentro das dependências bancárias de Matosinhos, nalgumas casas e carros abandonados nas ruas da cidade.
É importante sentirmo-nos indignados pelo facto de existirem pessoas na rua, a passar fome, frio, a serem tratadas sem respeito, sem dignidade. A justificar-se a sua existência num discurso social e politicamente aceite de que são “doentes mentais “ou “preguiçosos e criminosos”. Precisamos de discursos diferentes e práticas diferentes, precisamos de assumir a preocupação por um mundo melhor, mais igualitário. Eliminar a existência de pessoas sem-abrigo deverá ser a prioridade de qualquer sociedade moderna.
A urgência de se responder a este fenómeno complexo e multidimensional levou Portugal em 2007 a constituir um grupo de trabalho que teve como objetivos o cumprimento das diretrizes europeias em matéria de erradicação da situação dos sem-abrigo e a adoção de medidas tendentes à criação das condições necessárias ao despiste e ao acompanhamento das situações de risco num quadro de uma ação preventiva. Este grupo de trabalho foi o responsável pela criação do ENIPSA (Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas Sem-Abrigo: Prevenção, Intervenção e Acompanhamento 2009-2015), este foi a 1ª estratégia nacional integrada no âmbito da questão das pessoas em situação sem-abrigo e ainda a 1ªestratégia nos chamados países do “Sul da Europa”, colocando o foco no envolvimento de várias entidades, públicas e privadas tanto na conceção como na respetiva implementação e monitorização.
O seu papel foi igualmente relevante ao nível dos serviços de proximidade, já que dinamizou a criação dos Núcleos de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (NPISA), estruturas locais de apoio/projetos concelhios de parceria interinstitucional que se mantém ativos na sua missão de combate ao fenómeno.
Os NPISA são criados sempre que a dimensão do fenómeno o justifique no âmbito dos Conselhos Locais de Ação Social (CLAS) ou plataformas supraconcelhias.
Em 2018 no 33º plenário do CLAS foi aprovado pela Presidência da Câmara de Matosinhos o Núcleo para o planeamento e intervenção na população em situação de Sem-Abrigo em Matosinhos (NPISA Matosinhos). Este núcleo coordenado pela CMM constituído por várias entidades do setor público e privado, são elas: ULS Matosinhos, Lar de Santana, Cruz Vermelha, ADEIMA-Novas Metas, HML, Ministério Público, GNR, PSP, Matosinhos-Habit, Instituto do Emprego, Unidade de Saúde Publica, Instituto da Segurança Social, CRI, Unidade de Alcoologia do Norte entre outros.
A questão que se coloca é o que tem sido feito pelo NPISA Matosinhos?
No Inquérito de Caracterização de Pessoas de Sem-Abrigo, realizado pelo Grupo de trabalho ENIPSSA 2017-2023, o concelho de Matosinhos aparece em 15º lugar no TOP dos 20 concelhos com maior número de pessoas em situação de Sem-Abrigo.
Aparecendo como as principais causas para este facto: 1º a dependência de álcool ou substâncias psicoativas, 2º a ausência de suporte familiar, 3º o desemprego ou precaridade no trabalho.
Nos próximos tempos o País enfrentará uma grave crise económica e financeira em consequência da pandemia. O aumento do desemprego contribuirá necessariamente para o aumento da precariedade económica da população mais vulnerável, sendo de prever o aumento do n.º de pessoas Sem-Abrigo.
Assim, é com muita preocupação que devemos olhar para o futuro e para quaisquer contabilizações do nº de pessoas Sem-Abrigo, pois como afirmou o sociólogo Machado Pais “não me importo quantos são- os poucos que sejam são muitos!”